Populismo e Democracia



Porque é que o Populismo é popular?
 
 Vivemos num tempo em que cada vez mais políticos e mais políticas são identificados como populistas, um rótulo que tanto pode ser verdadeiro como um mero sound bite, mas que se vem a tornar cada vez mais comum. Somos assim contemporâneos do Sr. Trump, da Sra. Le Pen, do Brexit e de algumas personalidades da política portuguesa que se encaixam perfeitamente no papel do populista. 
 
 Deste modo, proponho discutir o que é o Populismo e o porquê de ser tão eficaz, antes de sermos contemplados de surpresa com o nosso próprio populista, para só nessa altura descobrirmos que a sua doutrina é coisa que abunda no nosso país e que apenas necessita de uma oportunidade para se revelar.     
 
 O Populismo é popular porque no fundo este é o seu único objectivo. Uma ideia ou uma política populista é algo que apenas tem o intuito de captar o nosso apoio de uma forma superficial, não tendo qualquer outro intuito. É por norma uma resposta simples para um problema complexo, expressa de uma forma directa  e muita vezes polémica, que usa estas características em seu próprio proveito maximizando o seu impacto.
 
 Quando o presidente dos EUA se propõe a construir um muro na fronteira com o México de forma a impedir a imigração ilegal, ele está a propor uma medida controversa mas muito simples para um problema complexo, o torna a sua dispersão pelos media e pelas redes sociais potencialmente viral: a sua simplicidade torna-a facilmente reprodutível e facilmente captada pelo público, enquanto a polémica a ela associada despertará o interesse e levará a que seja amplamente discutida, potenciando ainda mais a sua disseminação.
 
 Trata-se de uma medida populista, pois apesar de cativar a atenção do público e o seu apoio, esta medida não trás, nem pretende trazer, nada de positivo nem aos EUA como país, nem aos seus cidadãos. Contudo explicar isto, ou seja, desmontar a ideia populista, é algo muito mais difícil do que foi proferi-la, porque implica sempre discutir e analisar os problemas complexos a que este tipo de medidas populistas pretende dar uma resposta imediata.
 
 Dizer "Um muro já!" é algo que pode ser dito com o recurso a três palavras e que facilmente granjeará apoiantes sem grande explicação adicional. Contudo, para contrapor esta ideia, é necessário explicar o que é a imigração ilegal, porque é que ocorre e quem são estas pessoas (que na sua larga maioria não são nem criminosos nem indigentes), é preciso analisar os dados e demonstrar que esta tem estado a diminuir, e sobretudo é necessário demonstrar que a entrada destas pessoas nos EUA ocorre apenas residualmente nas zonas fronteiriças não controladas, pelo que a construção de um muro seria sempre uma medida muito ineficaz no seu combate.
 
 O problema, e a grande vantagem do Populismo, reside precisamente aqui, no facto de beneficiar da ignorância do público sobre os pretensos problemas que pretende resolver e, sobretudo, na desinformação disseminada nos media e nas redes sociais sobre o tema, proveniente do facto de não só ser mais difícil contrapor estas ideias do que foi proferi-las, mas de acima de tudo ser muito mais difícil vender a informação extensa e complexa que as contrapõem do que a polémica em torno da medida populista em si.
 
 Uma ideia populista será assim uma proposta que pretende apenas cativar o apoio do público sem que a sua execução tenha qualquer outro objectivo, e um populista será um político que pretende apenas ganhar votos e poder com determinada política, sendo indiferente para ele os resultados práticos para o país que essa política possa trazer.
 
 Claro está que, se uma proposta política é desenhada apenas com o intuito de ser popular e cativante, a probabilidade de atingir este objectivo é muito maior do que uma proposta política que pretende na realidade trazer algo de benéfico, mas que tem de demonstrar primeiro o porquê de ser benéfica antes de se poder eventualmente tornar popular.
            
 Este será assim o melhor teste para verificar se uma proposta é apenas populista ou não: Qual é o real impacto que esta medida poderá ter? Que problema resolve realmente?
 
 
 Um outro aspecto que vale a pena discutir é o porquê de, para além de ser mais simples e fácil de difundir, uma proposta populista ser também cativante e imediatamente apoiada pelo público. A decisão de apoiar uma ideia populista poderá ter um componente racional se quem a toma estiver mal informado sobre o problema em questão (o contrário não é possível, já que à partida alguém bem informado sobre um problema conseguirá discernir se determinada proposta é ou não minimamente eficaz na sua resolução), contudo habitualmente as propostas populistas dirigem-se a cativar por meios não racionais o nosso cérebro.
 
 Para além de tomarmos decisões racionais, como tal fundamentadas naquilo que são os nossos conhecimentos, o nosso cérebro tem também a capacidade de tomar decisões imediatas que apresentando uma maior probabilidade de erro, têm a vantagem de poder ser tomadas muito mais rapidamente e com muito menos informação disponível. São decisões baseadas em emoções, que têm a função de nos obrigar a adoptar comportamentos indispensáveis à nossa sobrevivência, como são o evitar do perigo ou a procura de melhores condições de vida para nós e para os nossos familiares.
 
 Ao apresentarem uma maior probabilidade de erro, este tipo de decisão vai-nos conduzir invariável a preconceitos e preconcepções, que uma avaliação racional baseada em factos seria capaz de desmentir.
 É neste sentido que as ideias populistas são tão eficazes em conseguir o nosso apoio sem necessitarem de qualquer fundamentação: elas não se dirigem ao nosso pensamento racional, mas sim às nossas emoções, com as quais nós reagimos sem necessidade de qualquer argumentação. Medo, inveja, ambição, são emoções às quais as ideias populistas se dirigem corriqueiramente, levando-nos a apoia-las automaticamente, o que é reforçado se o nosso conhecimento sobre o tema em questão for muito débil. De certa forma, temos tendência a procurar na nossa desinformação argumentos que justifiquem os nossos preconceitos, sem que isso nos leve à procura de um conhecimento aprofundado sobre os problemas.
 
 É tão natural ter medo do que é diferente e do que é desconhecido, que se alguém nos oferecer uma resposta simples que lhe ponha cobro, vamos ser naturalmente impelidos a apoia-la independentemente de existirem argumentos racionais que fundamentem esta decisão, e é assim que a proposta de um muro para proteger um país da imigração pode ser tão apelativa sem que exista qualquer argumento lógico que a suporte.   
 
 No fundo, uma ideia populista não só é uma resposta simples para um problema complexo, como é exactamente a resposta que queremos ouvir, isto é, aquela que vai de encontro ao que nos dizem as nossas emoções.     
  
 
 A Democracia depende das decisões dos cidadãos, ou seja, está dependente da sua capacidade de tomarem decisões racionais e de evitarem o tomar de decisões emocionais, uma vez que só as primeiras são capazes de construir adequadamente um país. A tomada de decisões racionais depende por sua vez do conhecimento que o indivíduo tem sobre o problema.
 
 É aqui que o Populismo conquista o seu espaço. Se por um lado a Democracia depende do debate de diferentes propostas para a resolução de um determinado problema, por outro é vulnerável a que o debate seja sabotado por propostas que não pretendendo resolver o problema, pretendem sim ser um veículo para alguém conquistar notoriedade e poder. 
 
 As redes sociais, onde tudo é partilhado sem filtro e sem contraponto, mas também os media actuais (com a necessidade de sobrevivência do seu negócio num mundo digital e de notícias gratuitas), cuja principal preocupação são as audiências e não o informar do público, criam as condições ideias para que a desinformação seja a norma e para que o Populismo possa vingar assente por um lado na manipulação das nossas emoções e por outro na fragilidade dos nossos conhecimentos.
 
 Estamos hoje inacreditavelmente perto da tempestade perfeita que no século passado permitiu a ascensão de um sem número de extremismos, estando o problema, tal com então, menos nos fanáticos que assumiram o poder do que nos milhões de incógnitos que inconscientemente os apoiaram. 
 
 Resta-nos pois, tentar basear as nossas decisões na melhor e mais diversificada informação disponível e impedir que uma vez mais venhamos a ser docilmente manipulados.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Comentem, discutam, critiquem, digam verdades, mentiras, parvoíces, no fundo, digam o que vos apetecer: