Conan e a arte



O que é a arte?
 
 
 O cinema, a música, a literatura e todas as outras formas de arte, têm frequentemente associada a si uma vertente de escapismo e entretenimento que complementa o trabalho artístico propriamente dito.
 É comum esta relação tornar-se mais próxima à medida que aumenta o intuito de explorar economicamente o trabalho do artista, ao ponto de no último século se ter tornado corriqueiro o facto do entretenimento ser o único objectivo de um trabalho dentro das diferentes artes.
 
 Grandes investimentos trazem consigo a necessidade de grandes retornos financeiros, pelo que se torna imperativo reduzir o risco associado ao trabalho do artista, o que habitualmente leva a que determinado trabalho seja desenhado com a ajuda de um conjunto de regras, enquadrando-se dentro de um género bem definido e dirigindo-se a um público alvo previamente estabelecido.
 
 Estas regras não comprometem significativamente a vertente de entretenimento do trabalho do artista, podendo mesmo ajudá-lo a conquistar um público mais alargado, ao tornar o seu trabalho mais acessível e fácil de consumir, minimizando as más experiências e desilusões do público.
 
 Não existe nada de errado com este tipo de entretenimento, o escapismo e a diversão são necessidades transversais a todos nós, existindo um sem número de obras que deste ponto de vista se encontram muito bem conseguidas.
 
 Disto dão exemplos os blockbusters no cinema, uma boa parte da música pop, bem como os bestsellers do mundo literário. É neste sentido um pouco ridículo criticar a escrita por exemplo de José Rodrigues dos Santos por não ser nem literatura nem arte, quando este escritor nunca tal pretendeu, tendo escrito sim livros direccionados ao entretenimento e às necessidades do seu público alvo.

 Não necessitando de uma separação completa do entretenimento, e existindo inúmeros exemplos em que ambos podem ser combinados com sucesso, algumas das formas de arte mais bem sucedidas prescindem por completo da sua vertente de entretenimento. Este tipo de trabalho não segue qualquer regra, procurando pelo contrário apresentar algo de novo, diferente e único.

 Se é possível ensinar com sucesso alguém a escrever um thriller, que possa ser explorado comercialmente, seguindo um método bem delineado, para escrever uma obra literária não existe previamente qualquer plano que deva ser seguido ou qualquer linha vermelha que não possa ser cruzada.

 Contudo, esta ambição em construir algo de único, conduz-nos ao problema de ser imprevisível antecipar a reacção do público, bem como o sucesso da obra em si. O risco sobe exponencialmente, sendo verdade que se é possível produzir uma "obra prima" que tenha um sucesso estrondoso, é também possível que esta tentativa descambe no mais profundo desastre.

 A arte pretende comunicar com o seu público, pretende provocar uma reacção, transmitir um sentimento, discutir um tema, alertar para um problema, ou qualquer outra interacção. Esta confrontação do público e convite para participar directamente na instalação artística pode conduzir a fenómenos de rejeição e a más experiências, sendo um pensamento comum a necessidade de "poder correr mal" para que a arte seja verdadeira.

 Adicionalmente e ao contrário do entretenimento puro, a arte está intrinsecamente ligada ao artista que a produz. É pessoal, é a sua forma de ver o mundo, é muitas vezes baseada nas suas próprias experiências, dúvidas e medos. Ao ligar-se intimamente à personalidade do artista, os seus trabalhos tornam-se únicos e a arte em si um conjunto de obras de enorme diversidade.

 Uma vez mais, esta personalização da arte pode conduzir a uma não identificação do público com a obra que lhe é apresentada. É um risco adicional que não é corrido por muitas produtoras, editoras, etc. por todo o mundo, que não podem arriscar uma aposta errada em termos financeiros, ou em termos da justiça motivada pela indignação da "turba" das redes sociais.


 É neste panorama culturalmente conservador, de filmes, músicas e livros, desenhados para chegar ao maior público possível e para não ofender ninguém, que aterra alguém chamado Conan Osíris.

 Não é de estranhar que para um público maioritariamente habituado a obras "prontas a consumir", regidas por regras e géneros bem definidos, e afastado da "verdadeira arte" enquanto objecto único, arriscado e sem regras, a música e a performance de Conan Osíris sejam problemáticas.

 Conan Osíris é assim, e em simultâneo, um exemplo de tudo aquilo que pode correr mal e de tudo aquilo que pode correr bem, quando alguém constrói uma obra única e pessoal segundo as suas próprias regras.

 Temos por um lado a incompreensão generalizada à primeira experiência com um música que alguém sábio definiu como "música para a qual não foi inventado género", a que se soma muita vezes o preconceito, o escárnio e a rejeição; e por outro lado temos o fascínio completo por alguém com um imenso talento que inventou algo de novo, provocante e com muita qualidade.

 Pode-se dizer que Conan Osíris não tem qualquer formação oficial em música ou canto, o que talvez tenha interesse para quem procure um artista de valor seguro e retorno garantido, contudo em termos artísticos, o facto de ele cantar e compor a sua música segundo apenas as suas próprias regras, é tudo o que interessa para a arte onde os carimbos e diplomas têm pouco significado por si só.


 Não sabemos onde a sua carreira o vai levar (apesar da promessa ser de um nível potencialmente único), mas pelo menos a inspiração proveniente da coragem de alguém apresentar a sua arte própria, diferente de tudo o que vimos antes, e de com ela atingir um enorme sucesso, essa já ninguém nos consegue roubar.      

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