Dividir o mundo em racistas e não
racistas parece traduzir-se directamente em dividir o mundo em pessoas boas e
más, mas, será esta distinção assim tão simples?
Quando Donald Trump, para gáudio
da sua plateia, atacou quatro congressistas americanas sugerindo que regressassem
ao seu país de origem, ou, quando em resultado das políticas de Mateo Salvini,
os voluntários que resgatam migrantes das águas do Mediterrâneo foram detidos,
não é difícil encontrar em Trump e Salvini dois homens maus.
Mas o que fazer com aqueles que
os apoiam e que na verdade permitem que exerçam a sua maldade? O que fazer a toda
a plateia que com Trump gritou "send her home"?
Hannah Arendt, no que se refere
ao holocausto, descreveu o conceito da "banalidade do mal" em que
pessoas simples e ignorantes em relação ao seu papel na sociedade, permitiram
que uma das maiores barbáries da História sucedesse.
Estas pessoas não eram
intrinsecamente más, nem estavam determinadas em prejudicar os outros, simplesmente
não tinham consciência dos seus actos, não eram capazes de compreender uma
prespectiva diferente da sua, encontrando as suas próprias justificações para
seguir cegamente um tirano.
Sendo as suas políticas
entendidas como louváveis, a aparente maldade de Trump e Salvini pode não
passar de uma agenda programática com o objectivo de explorar politicamente a
ignorância da população.
Todos nós temos medo por nós e
pela nossa família, bem como todos receamos a diferença e o desconhecido, pelo
que explorar estes medos é muito mais simples do que explicar à população quais
os verdadeiros benefícios e malefícios da imigração.
A democracia é mais do que o
direito ao voto, tratando-se do exercício e protecção de todos os direitos
humanos, contudo apresenta como fragilidade o facto de depender de cidadãos
informados e politicamente activos, pois um grupo de eleitores desinteressados
e mal informados não consegue exercer qualquer direito, sendo facilmente
manipulado.
Podemos criticar Trump pelo uso
do racismo como arma política, podemos criticar os seus apoiantes por se
deixarem manipular, mas o que fazer com o partido democrata (ao qual pertencem
as congressistas visadas), quando por manifesto calculismo político opta por
não enfrentar Trump abertamente, decidindo-se (uma vez mais) de modo cobarde
pela condenação passiva de algo intolerável?
O verdadeiro problema está no
facto de o partido democrata saber que, tal como muitos dos apoiantes de Trump,
também muitos dos seus apoiantes são cidadãos desinteressados e desinformados,
focados acima de tudo nos seus medos e necessidades, a quem teria dificuldade de
explicar a defesa intransigente dos direitos humanos.
Podemos não ser Trump, nem os
seus apoiantes, nem os seus opositores tomados por um calculismo político, que
em última análise legítima por inação o próprio racismo, contudo, estaremos
ainda do lado dos bons?
Mesmo no nosso país há quem
defenda políticas semelhantes às de Trump e Salvini, e, tal como americanos e
italianos, também nós temos medo e os nossos próprios problemas passíveis de manipulação
- Seguindo os passos de Trump, Salvini foi eleito em Itália, um país de
cidadãos livres que decidiu dar o seu voto precisamente a quem mais promoveu o
ódio aos emigrantes.
Trump, Salvini, bem como todos os seus apoiantes e
opositores, quando se avaliam a si próprios vêm sempre pessoas boas. Seremos
nós cidadãos suficientemente informados e politicamente activos para que não
venhamos um dia a eleger o nosso próprio tirano?
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